O controlador-geral do Município, Mário Vinicius Spinelli, descobriu
um dos maiores episódios de corrupção da história da Prefeitura de São
Paulo com uma equipe de só quatro funcionários (incluindo ele mesmo).
Com carta branca do prefeito Fernando Haddad (PT) para ir fundo no
caso, a investigação focada na gestão passada acabou obrigando o governo
a cortar na própria carne com a queda do secretário de Governo, Antonio
Donato, acusado por fiscais de receber dinheiro para campanha de
vereador. Apesar do desgate político, Haddad resolveu contratar mais cem
funcionários para a Corregedoria especializados em áreas como Ciência
da Computação, Engenharia, Direito e Saúde.
O órgão também terá um setor só para punir empresas envolvidas em
esquemas com base na lei anticorrupção, que entra em vigor em janeiro.
O senhor ficou assustado quando encontrou um esquema desse tamanho?
A gente sabia, com base na experiência que nós tínhamos de mais de
dez anos na Controladoria-Geral da União (CGU), da importância de se ter
um órgão de controle interno que atuasse de forma técnica para
identificar possíveis casos de corrupção. A Prefeitura nunca teve um
órgão desse. E o que diferencia a Controladoria? Ela atua de forma
pró-ativa. Ela não atua só quando recebe uma denúncia. Promove meios de
detectar casos de corrupção. Então, quando você tem um controle que
nunca existiu em São Paulo, é razoável que esse tipo de trabalho viesse a
detectar problemas.
Há quantos servidores investigados hoje?
Esse número é difícil dizer, porque o trabalho de inteligência
começou em uma verificação com o patrimônio dos servidores e sua
remuneração. A gente busca examinar se o servidor tem um patrimônio,
seja o declarado ou pelos sinais exteriores de riqueza, compatível com o
que ele ganha na Prefeitura. Depois disso, temos uma matriz de risco,
pela qual a gente busca examinar quais desses servidores com patrimônio
aparentemente incompatível precisam ser analisados prioritariamente. E
aí analisamos variáveis, como o cargo ocupado pelo servidor, se ele tem
poder decisório, se já houve alguma denúncia contra ele.
Em quantos casos houve a constatação?
Dos 11 servidores que já foram presos desde que a Controladoria foi
criada, três foram demitidos e um teve a aposentadoria cassada. Desses
11, cinco foram presos recebendo dinheiro vivo, em flagrante.
As prisões trazem mais confiabilidade ao serviço público?
O grande desafio que o País tem no combate à corrupção é a redução da
impunidade. O que nós estamos fazendo é cumprir o nosso papel na esfera
administrativa. Evidentemente, nós consideramos essencial que haja uma
reformulação na legislação processual brasileira, porque não se pode
aceitar como razoável que os processos judiciais levem tanto tempo para
serem julgados.
Como funciona a atuação da Controladoria no caso de outras pessoas
que são ex-servidores, como os ex-secretários de Finanças Mauro Ricardo e
Walter Aluísio, da gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD)?
Temos de saber delimitar qual é a atuação da Controladoria, que é um
órgão do Poder Executivo municipal. No caso de ex-servidores, a gente
vai convidá-los a comparecer para prestar esclarecimentos. Nós temos a
competência só nos casos que são servidores públicos, esses, sim, há a
possibilidade da aplicação de sanções, e até a exoneração. Evidentemente
que isso não os exime de responder procedimentos conduzidos pela
Controladoria. Até porque, desses procedimentos, nós podemos concluir
que é necessário o envio de informações ao Ministério Público Estadual e
outras autoridades competentes.
Esses ex-secretários falharam em algum momento?
É difícil dizer. Não queria me manifestar, a investigação está em
andamento, até para não ser injusto com as pessoas. Precisamos concluir a
apuração.
Como a Prefeitura pretende reaver o dinheiro desviado?
Como os bens desses servidores estão bloqueados, nossa ideia é que,
se comprovado de fato que eles atuaram de forma ilícita, esses bens
possam ser revertidos ao Município. O objetivo é que esses bens sirvam
pelo menos para ressarcir parte do dano aos cofres públicos. Com R$ 500
milhões muita coisa poderia ser feita em prol da sociedade.
O que vai mudar com a contratação de mais cem funcionários?
A primeira coisa é a questão do caráter permanente. Criar rotinas que
serão feitas de forma permanente no Município. Hoje esse trabalho que
detectou esse esquema da máfia dos fiscais nós fizemos com três
servidores.
E qual será a diferença agora?
Quando nós não tínhamos uma estrutura adequada, optamos por
concentrar nossas ações na área de inteligência. Quando nós tivermos
esse número de servidores, uma carreira criada para especificamente
trabalhar em questões da Controladoria, nós poderemos atuar também em
outras frentes. Por exemplo, nós teremos profissionais especializados em
Engenharia, e vamos ter condições de fazer auditoria em obras públicas,
vamos ter profissionais especializados em Saúde, e vamos poder
acompanhar os programas públicos de saúde.
Quer dizer, profissionais com características específicas.
Nossa ideia é que nessa seleção a gente consiga profissionais com
características que nós consideramos importantes para o combate à
corrupção. Vou dar um exemplo: queremos selecionar profissionais de
Ciências da Computação.
Como se fossem hackers da Prefeitura?
É, hackers do bem. É o modelo que tínhamos em Brasília, na CGU. São
profissionais especializados em uma área da ciência da computação que a
gente chama de business intelligence, que fazem a mineração de dados. Ou
seja, eles trabalham com grande base de dados e extraem informações
relevantes.
Como será esse setor relacionado às empresas?
Pretendemos ter um setor para cuidar especificamente da nova lei de
responsabilização civil e administrativa das empresas, que entra em
vigor em janeiro do próximo ano. Se essa lei estivesse em vigor hoje,
não tenho dúvida de que iríamos aplicar multas altíssimas a essas
empresas. E também vamos trabalhar em uma parte mais preventiva tentando
engajá-las, por meio de parcerias com institutos como o Ethos.
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