O diretor Rui Calvo tem 30 anos e nasceu
em Jacareí, interior de São Paulo. Seus primeiros curtas foram feitos
em parceria com Leandro Tadashi, e já flertavam com os temas de amor,
sexo e relacionamentos, embora não ligados às questões gays: “Encanto” e
“Nossa Paixão”, ambos de 2006 – o último já dava uma pista maior,
mostrando um casal de garotas.
Seis anos depois, Rui voltou a dirigir,
desta vez sozinho, e surgiu com o intrigante e ousado “Homem Completo”,
que foi exibido em diversos festivais no Brasil e outros países como
Inglaterra, Grécia e Venezuela.
Com um tom misterioso e certa voltagem
erótica, o filme divide opiniões, ao mostrar o universo de um personagem
gay masculino e suas dificuldades em realizar seu desejo, sexual ou
não, sempre em busca do título do filme.
Confira a entrevista com seu realizador, Rui Calvo.
Como começou seu envolvimento com o cinema, formação, essas coisas?
Sempre gostei muito de ver filme. No começo da adolescência, eu via muito filme. Lá em Jacareí tinha uma locadora, tinha aquelas promoções, eu e umas amigas alugávamos… tinha de tudo, até Kiarostami. David Lynch, Ingmar Bergman, Woody Allen, a gente via. Na minha cidade nessa época não tinha cinema, os cinemas de rua tinham virado igrejas, mas no segundo colegial, com 16 anos, fui estudar em São José dos Campos, perto de um cinema. Tinha sessão ao meio-dia, e eu saía antes da última aula pra ver alguns filmes. Um filme marcante nessa época foi “De Olhos Bem Fechados”, que acabei de rever na Mostra Internacional. Depois prestei áudio-visual na ECA, concluí em 2006. Eu não sabia que ia escrever, dirigir, só sabia que queria fazer cinema.
Sempre gostei muito de ver filme. No começo da adolescência, eu via muito filme. Lá em Jacareí tinha uma locadora, tinha aquelas promoções, eu e umas amigas alugávamos… tinha de tudo, até Kiarostami. David Lynch, Ingmar Bergman, Woody Allen, a gente via. Na minha cidade nessa época não tinha cinema, os cinemas de rua tinham virado igrejas, mas no segundo colegial, com 16 anos, fui estudar em São José dos Campos, perto de um cinema. Tinha sessão ao meio-dia, e eu saía antes da última aula pra ver alguns filmes. Um filme marcante nessa época foi “De Olhos Bem Fechados”, que acabei de rever na Mostra Internacional. Depois prestei áudio-visual na ECA, concluí em 2006. Eu não sabia que ia escrever, dirigir, só sabia que queria fazer cinema.
Você acredita que a formação acadêmica é importante ou essencial para quem pretende trabalhar com cinema?
Acho que a gente sempre precisa estudar, mesmo quando acaba a faculdade. A formação acadêmica é uma coisa que não termina. E o mais importante da faculdade, não foi só estudar, o curso em si, mas também uma maneira de conhecer um grupo de pessoas com quem eu comecei a trabalhar… um grupo que se descobriu junto, num modo de fazer cinema… isso foi importante.
Acho que a gente sempre precisa estudar, mesmo quando acaba a faculdade. A formação acadêmica é uma coisa que não termina. E o mais importante da faculdade, não foi só estudar, o curso em si, mas também uma maneira de conhecer um grupo de pessoas com quem eu comecei a trabalhar… um grupo que se descobriu junto, num modo de fazer cinema… isso foi importante.
Fale sobre os primeiros curtas, dirigidos em parceria com o Leandro Tadashi.
Foram dois roteiros que eu escrevi, e eu convidei ele pra dirigir comigo. Eu era muito próximo dele na época, a gente tava sempre junto, sempre discutindo cinema, e achei que seria uma parceria legal. Foi uma parceria legal na época, mas eu acho que… ( pausa ) não tinha divisão de função, era bem misturado. Essa coisa de dirigir em dupla, a maior dificuldade é no set, você ter que decidir, tem decisões rápidas, às vezes você quer mudar alguma coisa, vem uma ideia mais fresca ali, pruma cena, um plano diferente, ou uma maneira diferente do ator fazer alguma coisa, e quando você tá em dupla tudo tem que ser discutido. Aí você pensa “será que ele vai aceitar essa ideia?” E sozinho eu tinha esse impulso de “ah não, isso aqui é melhor, esquece aquilo, vamos fazer outra coisa”. Em dupla, eu mesmo me cortava, pensava “ah não, se fôr discutir isso vai tomar tempo, não vai dar tempo de gravar…” Eu acabava não falando.
Foram dois roteiros que eu escrevi, e eu convidei ele pra dirigir comigo. Eu era muito próximo dele na época, a gente tava sempre junto, sempre discutindo cinema, e achei que seria uma parceria legal. Foi uma parceria legal na época, mas eu acho que… ( pausa ) não tinha divisão de função, era bem misturado. Essa coisa de dirigir em dupla, a maior dificuldade é no set, você ter que decidir, tem decisões rápidas, às vezes você quer mudar alguma coisa, vem uma ideia mais fresca ali, pruma cena, um plano diferente, ou uma maneira diferente do ator fazer alguma coisa, e quando você tá em dupla tudo tem que ser discutido. Aí você pensa “será que ele vai aceitar essa ideia?” E sozinho eu tinha esse impulso de “ah não, isso aqui é melhor, esquece aquilo, vamos fazer outra coisa”. Em dupla, eu mesmo me cortava, pensava “ah não, se fôr discutir isso vai tomar tempo, não vai dar tempo de gravar…” Eu acabava não falando.
E esses curtas ainda não tinham a ver com o universo gay?
No “Encanto” não tem. São três meninas e a relação delas com o mesmo cara. No “Nossa Paixão” tem um casal hétero brigando, uma briga meio escandalosa no corredor de uma casa, e depois no quarto ao lado tem duas meninas que ouviram toda a briga e elas começam a representar essa briga, e a briga vira uma brincadeira que vira uma atração sexual entre as duas.
No “Encanto” não tem. São três meninas e a relação delas com o mesmo cara. No “Nossa Paixão” tem um casal hétero brigando, uma briga meio escandalosa no corredor de uma casa, e depois no quarto ao lado tem duas meninas que ouviram toda a briga e elas começam a representar essa briga, e a briga vira uma brincadeira que vira uma atração sexual entre as duas.
Por quê você demorou seis anos para voltar a dirigir?
Demorei principalmente por falta de patrocínio. Eu mandava pra edital, não ganhava… vários roteiros… “Homem Completo” eu mandei uns dois ou três anos e não ganhava. De repente eu juntei um dinheiro e resolvi fazer na raça.
Demorei principalmente por falta de patrocínio. Eu mandava pra edital, não ganhava… vários roteiros… “Homem Completo” eu mandei uns dois ou três anos e não ganhava. De repente eu juntei um dinheiro e resolvi fazer na raça.
Não ganhava porque era de tema gay?
Não sei dizer, porque muda muito cada júri. Acho que talvez, não só por ser gay, mas a questão sexual é muito forte, fala de ser ativo ou passivo… e ainda mais, lendo o roteiro, não sei se a pessoa imagina como eu vou fazer ou não, e de repente imagina uma coisa muito apelativa…
Inclusive eu senti um pouco em alguns lugares onde o filme passou, que até o próprio gay não gosta do meu filme, acha que ele faz uma imagem preconceituosa, ou meio negativa do gay. Que não contribui para a imagem do gay, em relação a mostrar pro mundo.
Não sei dizer, porque muda muito cada júri. Acho que talvez, não só por ser gay, mas a questão sexual é muito forte, fala de ser ativo ou passivo… e ainda mais, lendo o roteiro, não sei se a pessoa imagina como eu vou fazer ou não, e de repente imagina uma coisa muito apelativa…
Inclusive eu senti um pouco em alguns lugares onde o filme passou, que até o próprio gay não gosta do meu filme, acha que ele faz uma imagem preconceituosa, ou meio negativa do gay. Que não contribui para a imagem do gay, em relação a mostrar pro mundo.
Conte como foi o processo de criação do roteiro de “Homem Completo”.
Foi de observar… eu saio à noite, convivo com várias pessoas… Não sei, tem vários roteiros que escrevi, independente de serem gays ou não, onde tem personagens que não sabem seguir seus próprios desejos e vivem frustrados tentando encontrar algum tipo de satisfação. Isso é uma coisa meio comum nas coisas que escrevo e que percebi agora depois que escrevi. E no “Homem Completo” também existe isso, através do personagem gay que busca um meio de se satisfazer. A questão do ser ativo ou passivo não é o principal, é só uma maneira dele expôr essa dificuldade dele.
Foi de observar… eu saio à noite, convivo com várias pessoas… Não sei, tem vários roteiros que escrevi, independente de serem gays ou não, onde tem personagens que não sabem seguir seus próprios desejos e vivem frustrados tentando encontrar algum tipo de satisfação. Isso é uma coisa meio comum nas coisas que escrevo e que percebi agora depois que escrevi. E no “Homem Completo” também existe isso, através do personagem gay que busca um meio de se satisfazer. A questão do ser ativo ou passivo não é o principal, é só uma maneira dele expôr essa dificuldade dele.
Gostaria que falasse um pouco das escolhas estéticas do filme. A fotografia… o filme tem um ar meio noir…
Nunca pensei em nenhuma relação com o filme noir, é até legal você falar. Mas na verdade pensei num conceito do noir, de trabalhar com o claro e o escuro. Dizia pra Thaisa Oliveira, diretora de fotografia do filme, “deixa o ator passar no escuro e depois voltar pro claro”. Não tinha que iluminar sempre.
E a gente se dedicou bastante na pesquisa de locação. A Thaisa quase sempre ia comigo, a gente tirava muita foto… em cada momento da cena a gente adequava… como a gente não tinha recurso pra ter luz, o próprio ambiente ajudava a gente a pensar em como fazer.
Nunca pensei em nenhuma relação com o filme noir, é até legal você falar. Mas na verdade pensei num conceito do noir, de trabalhar com o claro e o escuro. Dizia pra Thaisa Oliveira, diretora de fotografia do filme, “deixa o ator passar no escuro e depois voltar pro claro”. Não tinha que iluminar sempre.
E a gente se dedicou bastante na pesquisa de locação. A Thaisa quase sempre ia comigo, a gente tirava muita foto… em cada momento da cena a gente adequava… como a gente não tinha recurso pra ter luz, o próprio ambiente ajudava a gente a pensar em como fazer.
Como foi o processo de direção dos atores?
A gente ensaiou bastante, foi um processo de quase três meses. Os quatro atores não se conheciam. A gente fez uma leitura com os quatro atores, e depois… acho importante falar da parceria com Edu, Eduardo Gomes, o ator principal. Eu mandei o roteiro pra ele sem falar que eu gostaria que ele fizesse. Ele leu, respondeu falando o que ele achava, e batia muito com a minha visão sobre o roteiro. Ele se empolgou muito sem saber que eu já queria que ele fizesse o personagem.
A gente ensaiou bastante, foi um processo de quase três meses. Os quatro atores não se conheciam. A gente fez uma leitura com os quatro atores, e depois… acho importante falar da parceria com Edu, Eduardo Gomes, o ator principal. Eu mandei o roteiro pra ele sem falar que eu gostaria que ele fizesse. Ele leu, respondeu falando o que ele achava, e batia muito com a minha visão sobre o roteiro. Ele se empolgou muito sem saber que eu já queria que ele fizesse o personagem.
O filme tem uma cena de sexo quase explícita, nudez, etc. Como foi essa questão? Como foi dirigir essas cenas?
Isso é uma coisa que me preocupava desde o princípio, como eu ia filmar essa cena… mas uma coisa que facilitou foi perceber que os atores se deram muito bem, então eu não tinha muito… dedo pra conversar com eles, era muito fácil. Chegou na hora, no dia da gravação, eu percebi que eles estavam um pouco tensos. Um deles até chegou a beber, levou alguma bebida pra dar uma relaxada, mas ele nem chegou a beber muito.
A equipe era pequena, mas mesmo assim, na hora de rodar essa cena, eu pedi para quem não precisava estar lá, que não ficasse no set. Mas foi tranquilo.
Aquela cena é um travelling que se aproxima do corpo, do rosto, do Edu. E foi feito num skate. A câmera tava na mão da Thaisa, e a Thaisa tava sentada num skate. E nossa figurinista empurrou o skate. Foram cinco ou seis takes. Mas usamos o primeiro.
Isso é uma coisa que me preocupava desde o princípio, como eu ia filmar essa cena… mas uma coisa que facilitou foi perceber que os atores se deram muito bem, então eu não tinha muito… dedo pra conversar com eles, era muito fácil. Chegou na hora, no dia da gravação, eu percebi que eles estavam um pouco tensos. Um deles até chegou a beber, levou alguma bebida pra dar uma relaxada, mas ele nem chegou a beber muito.
A equipe era pequena, mas mesmo assim, na hora de rodar essa cena, eu pedi para quem não precisava estar lá, que não ficasse no set. Mas foi tranquilo.
Aquela cena é um travelling que se aproxima do corpo, do rosto, do Edu. E foi feito num skate. A câmera tava na mão da Thaisa, e a Thaisa tava sentada num skate. E nossa figurinista empurrou o skate. Foram cinco ou seis takes. Mas usamos o primeiro.
O que acha de gente que quando vê cenas assim, às vezes comenta: “Ai, achei que não precisava apelar!”?
Tem muita cena heterossexual apelativa numa novela das nove, às vezes ainda rola um… as pessoas acham apelativa porque é gay. Se fosse um homem e uma mulher, ninguém acharia… mas um certo incômodo é importante. Mas não fiz a cena porque queria incomodar. Acho que só causa incômodo porque são dois homens. Se fosse um homem e uma mulher não causaria incômodo nenhum.
Tem muita cena heterossexual apelativa numa novela das nove, às vezes ainda rola um… as pessoas acham apelativa porque é gay. Se fosse um homem e uma mulher, ninguém acharia… mas um certo incômodo é importante. Mas não fiz a cena porque queria incomodar. Acho que só causa incômodo porque são dois homens. Se fosse um homem e uma mulher não causaria incômodo nenhum.
Você acredita que exista uma “estética cinematográfica gay”?
Não, porque até sou contra ficar rotulando que o filme é gay ou não é gay. É um filme que tem personagens gays. Essa era uma preocupação minha, como já começa o filme falando que é ativo, passivo, eu tinha essa preocupação se ele ia ficar restrito ao universo gay, e não ia se relacionar com o público hétero. E muita gente, héteros inclusive, já falou pra mim que se relaciona com o filme. Porque é sobre um cara frustrado, qualquer pessoa pode se relacionar.
Agora, existe uma estética heterossexual? Não entendo porque vai existir uma estética gay. Sou contra, acho que quanto menos… não é um filme gay. É um filme que tem personagens gays.
Não, porque até sou contra ficar rotulando que o filme é gay ou não é gay. É um filme que tem personagens gays. Essa era uma preocupação minha, como já começa o filme falando que é ativo, passivo, eu tinha essa preocupação se ele ia ficar restrito ao universo gay, e não ia se relacionar com o público hétero. E muita gente, héteros inclusive, já falou pra mim que se relaciona com o filme. Porque é sobre um cara frustrado, qualquer pessoa pode se relacionar.
Agora, existe uma estética heterossexual? Não entendo porque vai existir uma estética gay. Sou contra, acho que quanto menos… não é um filme gay. É um filme que tem personagens gays.
Você acredita que o cinema brasileiro já pode dizer que possui uma cinematografia LGBT relevante? Comente essa questão.
Acho que cresceu, mas o espaço do curta-metragem te dá mais possibilidades também. Como não tem uma preocupação maior com o mercado… não só por ter personagens gays mas por tratar do tema de uma forma diferente. Tem muita coisa boa recente, mais no curta-metragem.
E abriu um leque de variedades de temas, não fica só naquela coisa de preconceito, ou da aceitação, de sair ou não do armário, de contar pra mãe… tem curtas que falam só sobre o amor mesmo entre dois homens, ou alguma busca por satisfação. Existe uma complexidade maior na cinematografia gay agora.
Acho que cresceu, mas o espaço do curta-metragem te dá mais possibilidades também. Como não tem uma preocupação maior com o mercado… não só por ter personagens gays mas por tratar do tema de uma forma diferente. Tem muita coisa boa recente, mais no curta-metragem.
E abriu um leque de variedades de temas, não fica só naquela coisa de preconceito, ou da aceitação, de sair ou não do armário, de contar pra mãe… tem curtas que falam só sobre o amor mesmo entre dois homens, ou alguma busca por satisfação. Existe uma complexidade maior na cinematografia gay agora.
Em termos de mercado, você acha
que filmes brasileiros de temática LGBT ainda podem sofrer resistência
do público? Ou as dificuldades são as mesmas, independente do tema?
Bom, posso falar apenas da questão dos curtas… Acho que tem festival que pode acabar não selecionando um curta… porque imagina, misturar um curta como o meu, que tem cenas de sexo e tal, com outros… então na maioria dos casos acaba entrando numa sessão exclusivamente gay… não sei ( risos ). O meu passou no Festival Internacional de Curtas, fiquei muito feliz que entrou lá numa sessão que não tinha nenhum filme gay além do meu. Então não dá pra saber exatamente.
Bom, posso falar apenas da questão dos curtas… Acho que tem festival que pode acabar não selecionando um curta… porque imagina, misturar um curta como o meu, que tem cenas de sexo e tal, com outros… então na maioria dos casos acaba entrando numa sessão exclusivamente gay… não sei ( risos ). O meu passou no Festival Internacional de Curtas, fiquei muito feliz que entrou lá numa sessão que não tinha nenhum filme gay além do meu. Então não dá pra saber exatamente.
Gostaria que você falasse sobre suas referências. Quais os cineastas e filmes que te inspiram.
Tento não ficar apegado a nenhum diretor ou filme. Mas hoje em dia o que eu tenho mais gostado de ver é o João Pedro Rodrigues… gosto muito do Maurice Pialat… John Cassavettes… Eric Rohmer…
Tento não ficar apegado a nenhum diretor ou filme. Mas hoje em dia o que eu tenho mais gostado de ver é o João Pedro Rodrigues… gosto muito do Maurice Pialat… John Cassavettes… Eric Rohmer…
Nenhum comentário:
Postar um comentário