O Brasil precisa adotar uma postura mais incisiva na área da prevenção e
da infecção por HIV para recuperar o protagonismo mundial no
enfrentamento à doença. A opinião é do médico sanitarista e
epidemiologista Pedro Chequer. Considerado um dos principais
especialistas no tema no país, ele acredita que o Brasil sofreu um
"grande retrocesso" nos últimos anos por, entre outras razões, ceder à
pressão de grupos religiosos na condução das ações de resposta à
epidemia.
Entre as medidas que simbolizam esse recuo, segundo ele, estão a
suspensão pelo governo federal, em março deste ano, da distribuição de
material educativo para prevenção da aids dirigido a adolescentes. O
kit, formado por revistas de histórias em quadrinhos, abordava temas
como gravidez na adolescência, uso de camisinha e homossexualidade.
"O Brasil pautou seu programa de aids na fundamentação científica e
sempre foi exemplo para o mundo, promovendo campanhas de prevenção
abertas, diretas e objetivas, voltadas principalmente às populações mais
vulneráveis. De repente, vemos esse grande retrocesso e o Brasil sofre
um revés político, deixando de ser vanguardista na área da prevenção e
de campanhas", disse Chequer, que coordenou a política de aids do
Ministério da Saúde e dirigiu o Programa Conjunto das Nações Unidas para
o HIV e Aids (Unaids) no Brasil.
Ele ressaltou que ainda não é possível calcular o impacto dessas
medidas, já que, diferentemente de outras doenças como o sarampo ou o
cólera, os sintomas da infecção por HIV podem levar um longo período
para se manifestar. O especialista destacou, também, que o Brasil vem
promovendo avanços para ampliar a oferta de tratamento gratuito contra a
aids para todos os adultos que sejam diagnosticados soropositivos,
independentemente do estágio da doença. Há cerca de dois meses, o
Ministério da Saúde submeteu a consulta pública um protocolo de
atendimento prevendo que o tratamento seja fornecido ao paciente com
aids, que tiver CD4 (células de defesa do organismo) acima de 500 para
cada milímetro cúbico de sangue e que não apresentam os sintomas da
doença. Pela regra atual, a rede pública de saúde fornece tratamento ao
paciente com aids que tiver CD4 abaixo de 500 para cada milímetro cúbico
de sangue.
Desde o início de 2013, também podem receber o tratamento casais
sorodiscordantes - aqueles em que um dos parceiros tem o vírus e o outro
não - com CD4 acima de 500 células para cada milímetro cúbico de
sangue, pacientes que convivem com outras doenças, como tuberculose e
hepatite, e pacientes assintomáticos com CD4 menor de 500.
A validação das proposições recebidas e a elaboração da versão final
consolidada do protocolo será coordenada pelo Departamento de DST, Aids e
Hepatites Virais, que deve finalizar o documento ainda este ano.
Segundo o ministério, estudos internacionais mostram que o uso precoce
de antirretrovirais reduz em 96% a taxa de transmissão do HIV.
"Ampliar a cobertura de tratamento é fundamental porque na medida em que
as pessoas são tratadas, elas praticamente não transmitem o vírus.
Quando não há transmissão, não há novas infecções. Mas isso [só vai
ocorrer] se forem implantados serviços [de saúde] nas regiões mais
distantes e criados processos de mobilização com campanhas na mídia, nas
redes sociais, nos serviços comunitários e de saúde para promover a
testagem", disse.
O Ministério da Saúde estima que atualmente cerca de 700 mil pessoas
vivam com HIV e aids no país, mas 150 mil não sabem que têm o vírus ou a
doença. Ao todo, 313 mil recebem tratamento com medicamentos
antirretrovirais gratuitos. O Brasil registra, em média, cerca de 38 mil
casos de aids por ano. Desde os anos 80, quando teve início a epidemia,
foram contabilizados 656 mil casos. Procurada pela reportagem, a
assessoria do Ministério da Saúde não comentou as críticas feitas pelo
especialista.
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