
O novo filme do diretor Bruno Barreto
(“Última Parada 174″) chega aos cinemas nesta sexta (16/8) após uma
carreira consagradora por diversos festivais, incluindo aplausos em
Berlim, prêmios do público em duas importantes mostras LGBT da América
do Norte e a abertura do 41º Festival de Gramado.
A trama acompanha o romance de 15 anos
entre a urbanista Lota Macedo Soares, vivida por Glória Pires (“É
Proibido Fumar”), e a poeta americana Elizabeth Bishop, interpretada no
filme por Miranda Otto (“O Senhor dos Anéis – As Duas Torres”), no Rio
de Janeiro dos anos 1950.
A atriz Glória Pires acredita que o
filme chega aos cinemas do Brasil em um momento importante, em que temas
como “cura gay” ameaçam uma guinada conservadora no país. “O filme
aparece em um momento muito apropriado, embora não tenha sido essa a
intenção. O homossexualismo é um assunto em alta aqui no Brasil. As
pessoas ainda sofrem muito com isso. Tenho recebido muitos e-mails
lindos de pessoas que sofrem preconceito das próprias famílias e ainda
precisam viver suas escolhas escondidas”, contou a atriz, em entrevista
coletiva realizada no fim de semana em Gramado.
Justamente por abordar o tema da
homossexualidade, o filme sofreu discriminação por parte das empresas
patrocinadoras. Segundo Paula Barreto (“Lula, o Filho do Brasil”), irmã
do diretor e produtora do filme com sua mãe Lucy Barreto, mesmo com a
maior conscientização da população sobre a diversidade sexual, empresas
ainda hesitam em investir dinheiro em um filme como “Flores Raras”. “A
homossexualidade das personagens afugentaram as empresas, que não
queriam ligar sua marca à abordagem do assunto”, ela contou.
Por conta disso, o diretor teve de fazer
empréstimo pessoal e colocar dinheiro do próprio bolso para finalizar a
produção. Não foi uma conta pequena. O orçamento de “Flores Raras” é de
R$ 15 milhões.
“Foi um filme muito difícil de ser
produzido, pois é uma história que vai contra a corrente. O pessoal de
marketing, que é quem decide os patrocínios para os filmes, não quer
associar sua marca ao homossexualismo”, declarou o cineasta, que também
agradece a coragem dos parceiros envolvidos no projeto.
“O tema do filme não é homossexualismo,
mas isso é um elemento importante para a história. Um ano atrás, o
homossexualismo não estava em pauta como hoje. Talvez, se o filme fosse
produzido hoje, fosse mais fácil”, apontou o diretor.
Gloria Pires considera que o filme
também possa contribuir para retirar um pouco da visão preconceituosa
que ainda paira sobre a homossexualidade. “Como a arte está sempre está
interferindo na realidade, é uma via de mão dupla, espero que o filme
possa ajudar ainda mais as pessoas a encararem o homossexualismo de uma
forma mais normal, a desmitificar essa questão. Todos nós somos seres
humanos e temos os mesmos direitos”, defendeu a atriz, que pela primeira
vez na carreira viveu uma personagem gay.
Na opinião de Glória, que compartilhou
cenas íntimas com Miranda Otto no filme, a homossexualidade era apenas
um traço da personalidade de Lota. O que a atraiu para o papel, na
verdade, foram as outras facetas da arquiteta, conhecida pela
inteligência, pelo gênio forte e pela impetuosidade, apesar dos costumes
conservadores de sua época.
“Foi um grande desafio como atriz. A
primeira coisa que me atraiu foi o fato dessa história não ser conhecida
dos brasileiros. Em segundo lugar, o fato de Lota viver naquela época,
nos anos 1950 e 1960, uma relação homossexual assumida, e principalmente
por ela ser quem era. Ela aglutinava a todos. Quando ela chegava em um
ambiente, o lugar se tornava dela”, explicou.
Segundo a também produtora Lucy Barreto
(“O Homem Que Desafiou o Diabo”), o papel de Lota estava reservado para
Glória Pires há 18 anos, desde que ela adquiriu os direitos para o
cinema do livro “Flores Raras e Banalíssimas – A História de Lota de M.
Soares e Elizabeth Bishop”, de Carmen Lucia Oliveira. A atriz aceitou o
papel na hora. Isto foi em 1995, mas o projeto ficou na gaveta,
aguardando as mudanças culturais e sociais que vieram nos últimos anos.
“Quando li o livro da Elizabeth Bishop,
logo pensei: ‘Vou fazer essa adaptação. Não sei como nem onde, mas vou’.
Foram 18 anos para chegar até aqui. É um sonho realizado. Por isso,
digo a vocês: guardem seus sonhos e avancem. Eles nos enriquecem e nos
mudam, sempre para o melhor”, contou a produtora.
A preparação de Glória Pires para o
papel incluiu leituras das poesias de Bishop e cartas escritas pela
escritora, além de livros sobre a situação dos homossexuais no Rio de
Janeiro da época e depoimentos de pessoas que conviveram com Lota. Mas o
tempo, diz a atriz, foi seu maior aliado.
“Enquanto eles trabalhavam para
viabilizar a produção, houve esse amadurecimento, pessoal e
profissional. E isso acho que foi a maior preparação que eu pude ter. A
gente não consegue isso em livro. A experiência, só o tempo dá”,
destacou Glória.
O diretor concorda. “Quando eu vi a cena
em que Glória faz a personagem dela bêbada no filme ‘A Partilha’
(2001), tive certeza de que ela era a atriz perfeita para estrelar
‘Flores Raras’”, elogiou.
Além de atuações seguras e cenas de
homossexualidade assumida, o filme de Bruno Barreto é fortemente
permeado pela poesia de Elizabeth Bishop. O diretor, no entanto, disse
que a obra da famosa poeta americana não foi o norte da produção.
“Primeiro, eu construí a dramaturgia do roteiro. Depois, procurei formas
de colocar a poesia nele. São linguagens diferentes. Não queria que a
poesia ficasse chata quando traduzida para o cinema”, explicou.
Como a maior parte do filme é falada em
inglês, a atriz contou que ficou preocupada com as cenas mais
dramáticas, mas o resultado agradou tanto ao diretor Bruno Barreto
quando à produtora Lucy, que vislumbram uma carreira internacional para a
atriz, como as das francesas Juliette Binoche (“Camille Claudel, 1915″)
e Marion Cotillard (“Ferrugem e Osso”).
“A Glória encarnou completamente a Lota,
que falava sete línguas e um inglês muito bom. Não há ‘delay’ na
atuação dela, separação entre o pensar e o dizer”, elogiou a produtora.
“No cinema, graças a Deus, hoje temos a figura do ‘coaching’
(treinador), que ajuda demais”, completou Glória, modesta.

A estrela de filmes como “O Quatrilho”
(1995), “A Partilha” (2001), “Se Eu Fosse Você” (2006), “É Proibido
Fumar” (2009) e “Lula, o Filho do Brasil” (2010) também foi homenageada
em Gramado com o Troféu Oscarito, destinado a grandes intérpretes do
cinema brasileiro. A homenagem foi entregue à atriz pelos produtores
Lucy e Luiz Carlos Barreto (“O Homem Que Desafiou o Diabo”), “os pais”
da sua carreira no cinema, segundo a própria Gloria, que aproveitou a
oportunidade para agradecer ao primeiro diretor que a dirigiu, Fábio
Barreto, com quem trabalhou em “Índia, a Filha do Sol” (1981) e
novamente em “Lula, o Filho do Brasil” (2010).
O troféu já foi entregue a grandes
estrelas do cinema brasileiro como Fernanda Montenegro (“Central do
Brasil”), Reginaldo Faria (“Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”),
Betty Faria (“Anjos do Arrabalde”), Walmor Chagas (“Memórias Póstumas de
Brás Cubas”) e Zezé Motta (“Xica da Silva”). “É uma honra fazer parte
agora desse panteão”, agradeceu. A glória.
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