sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Glória Pires traz Flores contra o preconceito



O novo filme do diretor Bruno Barreto (“Última Parada 174″) chega aos cinemas nesta sexta (16/8) após uma carreira consagradora por diversos festivais, incluindo aplausos em Berlim, prêmios do público em duas importantes mostras LGBT da América do Norte e a abertura do 41º Festival de Gramado.
A trama acompanha o romance de 15 anos entre a urbanista Lota Macedo Soares, vivida por Glória Pires (“É Proibido Fumar”), e a poeta americana Elizabeth Bishop, interpretada no filme por Miranda Otto (“O Senhor dos Anéis – As Duas Torres”), no Rio de Janeiro dos anos 1950.
A atriz Glória Pires acredita que o filme chega aos cinemas do Brasil em um momento importante, em que temas como “cura gay” ameaçam uma guinada conservadora no país. “O filme aparece em um momento muito apropriado, embora não tenha sido essa a intenção. O homossexualismo é um assunto em alta aqui no Brasil. As pessoas ainda sofrem muito com isso. Tenho recebido muitos e-mails lindos de pessoas que sofrem preconceito das próprias famílias e ainda precisam viver suas escolhas escondidas”, contou a atriz, em entrevista coletiva realizada no fim de semana em Gramado.
Justamente por abordar o tema da homossexualidade, o filme sofreu discriminação por parte das empresas patrocinadoras. Segundo Paula Barreto (“Lula, o Filho do Brasil”), irmã do diretor e produtora do filme com sua mãe Lucy Barreto, mesmo com a maior conscientização da população sobre a diversidade sexual, empresas ainda hesitam em investir dinheiro em um filme como “Flores Raras”. “A homossexualidade das personagens afugentaram as empresas, que não queriam ligar sua marca à abordagem do assunto”, ela contou.
Por conta disso, o diretor teve de fazer empréstimo pessoal e colocar dinheiro do próprio bolso para finalizar a produção. Não foi uma conta pequena. O orçamento de “Flores Raras” é de R$ 15 milhões.
“Foi um filme muito difícil de ser produzido, pois é uma história que vai contra a corrente. O pessoal de marketing, que é quem decide os patrocínios para os filmes, não quer associar sua marca ao homossexualismo”, declarou o cineasta, que também agradece a coragem dos parceiros envolvidos no projeto.
“O tema do filme não é homossexualismo, mas isso é um elemento importante para a história. Um ano atrás, o homossexualismo não estava em pauta como hoje. Talvez, se o filme fosse produzido hoje, fosse mais fácil”, apontou o diretor.
Gloria Pires considera que o filme também possa contribuir para retirar um pouco da visão preconceituosa que ainda paira sobre a homossexualidade. “Como a arte está sempre está interferindo na realidade, é uma via de mão dupla, espero que o filme possa ajudar ainda mais as pessoas a encararem o homossexualismo de uma forma mais normal, a desmitificar essa questão. Todos nós somos seres humanos e temos os mesmos direitos”, defendeu a atriz, que pela primeira vez na carreira viveu uma personagem gay.
Na opinião de Glória, que compartilhou cenas íntimas com Miranda Otto no filme, a homossexualidade era apenas um traço da personalidade de Lota. O que a atraiu para o papel, na verdade, foram as outras facetas da arquiteta, conhecida pela inteligência, pelo gênio forte e pela impetuosidade, apesar dos costumes conservadores de sua época.
“Foi um grande desafio como atriz. A primeira coisa que me atraiu foi o fato dessa história não ser conhecida dos brasileiros. Em segundo lugar, o fato de Lota viver naquela época, nos anos 1950 e 1960, uma relação homossexual assumida, e principalmente por ela ser quem era. Ela aglutinava a todos. Quando ela chegava em um ambiente, o lugar se tornava dela”, explicou.
Segundo a também produtora Lucy Barreto (“O Homem Que Desafiou o Diabo”), o papel de Lota estava reservado para Glória Pires há 18 anos, desde que ela adquiriu os direitos para o cinema do livro “Flores Raras e Banalíssimas – A História de Lota de M. Soares e Elizabeth Bishop”, de Carmen Lucia Oliveira. A atriz aceitou o papel na hora. Isto foi em 1995, mas o projeto ficou na gaveta, aguardando as mudanças culturais e sociais que vieram nos últimos anos.
“Quando li o livro da Elizabeth Bishop, logo pensei: ‘Vou fazer essa adaptação. Não sei como nem onde, mas vou’. Foram 18 anos para chegar até aqui. É um sonho realizado. Por isso, digo a vocês: guardem seus sonhos e avancem. Eles nos enriquecem e nos mudam, sempre para o melhor”, contou a produtora.
A preparação de Glória Pires para o papel incluiu leituras das poesias de Bishop e cartas escritas pela escritora, além de livros sobre a situação dos homossexuais no Rio de Janeiro da época e depoimentos de pessoas que conviveram com Lota. Mas o tempo, diz a atriz, foi seu maior aliado.
“Enquanto eles trabalhavam para viabilizar a produção, houve esse amadurecimento, pessoal e profissional. E isso acho que foi a maior preparação que eu pude ter. A gente não consegue isso em livro. A experiência, só o tempo dá”, destacou Glória.
O diretor concorda. “Quando eu vi a cena em que Glória faz a personagem dela bêbada no filme ‘A Partilha’ (2001), tive certeza de que ela era a atriz perfeita para estrelar ‘Flores Raras’”, elogiou.
Além de atuações seguras e cenas de homossexualidade assumida, o filme de Bruno Barreto é fortemente permeado pela poesia de Elizabeth Bishop. O diretor, no entanto, disse que a obra da famosa poeta americana não foi o norte da produção. “Primeiro, eu construí a dramaturgia do roteiro. Depois, procurei formas de colocar a poesia nele. São linguagens diferentes. Não queria que a poesia ficasse chata quando traduzida para o cinema”, explicou.
Como a maior parte do filme é falada em inglês, a atriz contou que ficou preocupada com as cenas mais dramáticas, mas o resultado agradou tanto ao diretor Bruno Barreto quando à produtora Lucy, que vislumbram uma carreira internacional para a atriz, como as das francesas Juliette Binoche (“Camille Claudel, 1915″) e Marion Cotillard (“Ferrugem e Osso”).
“A Glória encarnou completamente a Lota, que falava sete línguas e um inglês muito bom. Não há ‘delay’ na atuação dela, separação entre o pensar e o dizer”, elogiou a produtora. “No cinema, graças a Deus, hoje temos a figura do ‘coaching’ (treinador), que ajuda demais”, completou Glória, modesta.

A estrela de filmes como “O Quatrilho” (1995), “A Partilha” (2001), “Se Eu Fosse Você” (2006), “É Proibido Fumar” (2009) e “Lula, o Filho do Brasil” (2010) também foi homenageada em Gramado com o Troféu Oscarito, destinado a grandes intérpretes do cinema brasileiro. A homenagem foi entregue à atriz pelos produtores Lucy e Luiz Carlos Barreto (“O Homem Que Desafiou o Diabo”), “os pais” da sua carreira no cinema, segundo a própria Gloria, que aproveitou a oportunidade para agradecer ao primeiro diretor que a dirigiu, Fábio Barreto, com quem trabalhou em “Índia, a Filha do Sol” (1981) e novamente em “Lula, o Filho do Brasil” (2010).
O troféu já foi entregue a grandes estrelas do cinema brasileiro como Fernanda Montenegro (“Central do Brasil”), Reginaldo Faria (“Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”), Betty Faria (“Anjos do Arrabalde”), Walmor Chagas (“Memórias Póstumas de Brás Cubas”) e Zezé Motta (“Xica da Silva”). “É uma honra fazer parte agora desse panteão”, agradeceu. A glória.

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